Monday, September 1, 2008

est. - Enogastronomia em estado bruto



Cinco brasileiros, em plena segunda-feira, chegando em um dos melhores (e mais caros) restaurantes da Austrália, só pode ser:

a) Para trabalhar
b) Para pedir trabalho
c) Para jantar, mas com algum tipo de gambiarra

No nosso caso, opção “C”.

Na última semana de agosto, mês em que o est., do chef Peter Doyle, manteve a cotação máxima de 3 estrelas no guia anual da revista Australian Gourmert Traveller, fui conhecê-lo com 4 amigos. Um deles, Tercio, chef do Mad Cow, restaurante do mesmo grupo, que conseguiu uma reserva com... 50% de desconto (eis a gambiarra).



Fomos colocados em uma confortável mesa no canto, levemente separada das demais, entre a cozinha e a imensa janela para a George Street, uma das principais de Sydney. Me lembrou aquela velha história do copo com água pela metade. Para uma pessoa negativa, aquilo seria total preconceito, pois sabendo que só pagaríamos 50% da conta, o maître resolveu nos isolar (“vai saber como essa gente 50% off come”, ele pode ter pensado). Para o cara positivo, era o melhor lugar da casa, ao lado da janela e, principalmente, longe das demais pessoas, onde poderíamos manter o tom de voz “braziliano” naquela altura naturalmente acima da média mundial.

O lugar, como não poderia ser diferente, era de tremendo bom gosto, mas nada ultra-sofisticado. Grandes colunas brancas, belíssimos lustres, muita madeira, estofados bege-claro e mais branco. Ou seja, um típico restaurante moderno de cozinha contemporâea.

O primeiro garçom a nos atender era uma versão introvertida, metida à francesa e absolutamente afrescalhada do Zé Simão (da Folha). Juro! Quando olhei o cara e comentei com o Alê, meu amigo, não acreditamos. Sabem aquela bichinha australiana que, trabalhando em um restaurante top, a cada noite vai se enviadando e se tornando mais francesa? É ele! Com pitadas de arrogância e superioridade, ouviu que jantaríamos o “est. tasting menu with selected wine” ($ 255 por pessoa), que incluía 6 pratos, todos harmonizados com um vinho. Resumindo: alta gastronomia em estado bruto!

É claro que o Joseph-Pierre Simon (Zé Simão em franco-australiano) ficou decepcionado com a nossa escolha, uma vez que torcia para pedirmos algo como steak e batata-frita para nos dar um esporro. Antes de deixar a mesa, fizemos uma solicitação médica, pois um dos nossos convivas não poderia comer crustáceos. Com ares de “é óbvio que eu já sabia que um dos seus convivas não pode comer crustáceo” ele jogou a cabeça para trás (quase encostando a nuca nas costas) e retirou-se.

IMPORTANTE: escreverei o nome dos pratos em inglês, como está no cardápio do restaurante, pois alguns ingredientes não temos no Brasil, porque muitos dos nomes são universais e, principalmente, porque hoje é domingo e estou com preguiça de traduzir (e não porque fiquei metido a anglo-saxão depois que vim para a Austrália ).



Pouco antes de chegar o primeiro prato, o sommelier serviu o primeiro vinho, um Dom Pérignon safrado (2000) que abriu a noite com tudo. Em poucos minutos cinco garçons se aproximaram, cercaram a mesa e, após um sinal do líder (imperceptível aos nossos olhos de meros mortais), colocaram os pratos ao mesmo tempo. Cheguei até a pensar que eram agentes do Departamento de Imigração disfarçados, tamanha sincronicidade da ação.

Pratos na mesa, quatro garçons se retiraram e um permaneceu, na verdade, um emo-garçom (isso mesmo, para quem não sabe, “emo” é uma tribo de meninos e meninas sensíveis que não sabem se são meninos ou meninas, muito menos porque são tão sensíveis. Eles adoram usar uma gravatinha fina e uma franjinha invocada para esconder a expressão sensível do rosto). O emo-garçom explicou o que era o prato com uma sensibilidade ímpar. Apesar dele quase chorar, é bacana ficar sabendo do que se trata e qual é a “proposta” do chef (sim, desde os anos 70 os pratos passaram a ter “propostas”). Explicações dadas, taças cheias e pratos lindamente apresentados com porção reduzida, colorida e absolutamente perfumada, vamos à razão de tudo: CO-MER!



Começamos com um ocean trout carpaccio, cucumber, pink grapefruit, ponzu and white sesame oil que resume bem toda a influência da comida oriental, em especial da japonesa, na gastronomia (não só na alta) australiana. O Champagne se mostrou, mais uma vez, que é o vinho que melhor combina com comida japonesa.

A segunda entrada foi um tranche of duck foie gras, shaved pear, cresses, sauternes jelly, toasted brioche servida com um Gewürztraminer da Alsace, o Domaine Marcel Deiss 2005. O vinho, levemente adocicado, casou bem com o foie gras, e seus aromas e sabores florais, típicos da uva Gewürztraminer, encontraram na cress, uma simpática plantinha muito usada em saladas, seu par ideal.

Lembram da solicitação médica? Então! É óbvio que o nosso Joseph-Pierre Simon esqueceu de avisar o chef. Sendo assim, quando a brigada fez toda a pose para sincronizar e colocou cinco raviolo of prawns on snow peas, lemongrass and shellfish vinaigrettes, entendemos com uma tentativa de gastro-homicídio através de camarões escondidos dentro de raviólis e shellfish camuflado em vinagrete. Não preciso dizer que o Joseph-Pierre Simon passou o resto do jantar pedindo desculpas para 5 brasileiros 50% off, o que certamente foi a situação mais humilhante da vida dele. Para acompanhar, o Bodega Castro Martin Rías Baixas 2006, espanhol da região da Galícia feito com a Albariño, uva branca que lembra a Riesling e é uma das melhores da Espanha.

Na sequência veio o prato que mais gostei: Steamed snapper fillet, grilled scallop, leek and asparagus, shaved manjimup truffle butter sauce. E não pela trufa, mas pelo scallop (vieira), o mais perfeito que comi na vida (não que eu tenha comido muitos). Consistência, grau de cozimento e, principalmente, a maneira que desmanchou na boca. Sensacional! Apenas o ótimo Kumeu River Mates Vineyard Chardonnay pecou, pois veio um pouco mais frio do que deveria.

Para o prato principal tínhamos duas opções: roasted, boned squab pigeon, king mushroom and asparagus, pan juices ou pan roasted lamb rib eye, jerusalem artichokes, green peas, potato galette, salad of herbs. Ou seja: pombo ou carneiro. Optei pelo pombo, que veio acompanhado de um Châteauneuf du Pape, o Réserve Auguste Favier 2004, vinho seríssimo que foi prejudicado por um sério problema do tinto na Austrália: eles não o esfriam. Nunca! Pode estar 40 graus que sempre servem na temperatura ambiente, jamais dão uma esfriadela, mesmo de 5 minutinhos. E isso faz diferença.

Pouco antes do pombo chegar, vimos através da janela um cara no topo de uma escada trabalhando num poste. Na hora veio aquela sensação bucólica que sentimos quando vamos a um restaurante à beira-mar e comemos um peixe pescado na hora. Achei que o cara trabalhava para o restaurante e fosse fazer o mesmo, mas felizmente não foi o caso.

Fechando a degustação, escolhemos entre um passion fruit soufflé e um vanilla latte cotto, queensland strawberries, spice wafer, deliciosas sobremesas acompanhadas por um Jaboulet Muscat 2006 de Beaumes de Venise, no Vale do Rhône, ou um Riesling australiano da Tasmânia, respectivamente. Antes, um amargo e desnecessário shaved pineapple, pine nut sorbet, lime and cardamom sauce, que não passa de um limpador de boca.

Não preciso dizer que foi um jantar sensacional e valeu cada centavo (mesmo se pagássemos 100% valeria). O est. não foi eleito o Melhor Restaurante de 2006 pela publicação citada acima por acaso, muito menos manteve este ano os 3 chapéus no Good Food Guide, cotação máxima no mais influente guia de gastronomia da Austrália.

E após deixarmos uma gorjeta acima da média praticada no país, e o nosso chef entrar na cozinha para cumprimentar toda a brigada, a cena final foi o glorioso Joseph-Pierre Simon conduzindo 5 brasileiros 50% off até o elevador, dizendo o quão simpáticos éramos, pedindo desculpas pela enésima vez e nos convidando para voltarmos em breve.

Tercião, Jana, Lecão e Mari Garotinha, valeu!

est. 252 George Street, Sydney 2000
Reserva: 9240 3000
Segunda a sexta: almoço e jantar
Sábado: jantar

2 comments:

  1. Cestari está C-H-O-C-A-D-A que vc comeu foie gras

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  2. Mas, afinal... tinha filet com fritas ou não???

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