Thursday, March 18, 2010

Exclusiva com Alex Atala



Daqui a algumas horas sigo pra Melbourne, onde desde 12 de março está rolando o Melbourne Food and Wine Festival. Coincidentemente, no sábado à noite, teremos a final da A-League, o campeonato nacional de futebol, com o nosso glorioso Sydney FC enfrentando o atual campeão Melbourne Victory. Vai ser difícil, mas estaremos no estádio pra torcer (e beber, claro, em caso de vitória, derrota, empate, WO...). Prometo texto e fotos no blog assim que der.



Bem, mas o objetivo principal da viagem não é o futebol, e sim o jantar que o grande Alex Atala fará na segunda-feira, no Jacques Reymond, segundo melhor restaurante de Victoria de acordo com a edição 2009 do Australian Gourmet Traveller.

Pouco antes dele vir, entrevistei o chef para a edição 9 da Radar Magazine, que já está circulando na Austrália. Segue a entrevista como foi publicada, acrescida de duas perguntas extras que não couberam.

O chef vem aí

O maior nome da gastronomia brasileira vem à Austrália para cozinhar, comer e realizar alguns sonhos

Alex Atala, o chef paulistano que colocou o Brasil definitivamente no circuito da alta gastronomia mundial, desembarca na Austrália para participar do Melbourne Food and Wine Festival, evento que acontece entre 12 e 23 de março e reúne alguns dos principais nomes da enogastronomia internacional. Atala apresentará aulas nos dias 20 e 21 (esgostadas desde o ano passado) e fará dois jantares no premiado restaurante Jacques Reymond, nos dias 22 e 23.



Com sólida formação clássica, domínio total das técnicas modernas e paixão pela culinária regional brasileira, o chef se tornou mundialmente famoso com o trabalho realizado no D.O.M., seu restaurante na capital paulista que desde 2006 figura entre os 50 melhores do planeta segundo a renomada Restaurant Magazine. Em janeiro de 2009, também em São Paulo, Atala inaugurou o Dalva e Dito, sua declaração de amor à cozinha patrimonial brasileira – como gosta de chamar – que traz pratos como galeto de televisão com risoto caseiro e pirarucu na chapa com vinagrete de castanha-do-Pará e ratatouille do sertão.

Como você vê o primeiro ano do Dalva e Dito?
Está dentro das expectativas. Começar um novo trabalho propõe grandes desafios. E implícitos nesses desafios há um trabalho quase de formiga, ou seja, muitas viagens com poucas quantidades. O Dalva e Dito vem se consolidando e conseguindo o meu primeiro objetivo que era tratar a cozinha tradicional, patrimonial brasileira, e elevá-la ao status de grande cozinha.

A passagem do D.O.M. para o Dalva parece ter sido algo natural. Muito do conceito do Dalva e Dito está ligado à cocção à vácuo em baixa temperatura, é isso mesmo?
De alguma forma sim. Eu sempre fui um grande curioso, um grande pesquisador de novas tecnologias na cozinha. Faço sempre questão de frisar que elas são, e serão sempre, foco da minha atenção, principalmente por me permitirem chegar a resultados que a cozinha tradicional não me permite. É o caso do Dalva. Apesar de estarmos todo o tempo tratando de cozinha patrimonial brasileira, essas tecnologias nos permitem a regularidade nas receitas e precisão nos pontos de cozimento, que realmente são aspectos importantes do Dalva e Dito. Acho que é onde o rústico brasileiro e a tecnologia de ponta convergem num grande momento.



É a primeira vez que vem à Austrália?
É a minha primeira vez e a realização de um sonho de muitos anos. A Grande Barreira de Corais é um sonho de adolescência. Sempre gostei muito de mergulho, de pesca e a Grande Barreira sempre foi uma fascinação. De algumas outras formas, sempre tive curiosidade, sempre gostei muito de música, de Men at Work a Nick Cave. A Austrália, efetivamente, por vários motivos sempre povoou a minha imaginação. É uma experiência que estou muito ansioso para viver. Quero muito conhecer a Austrália, comer o que se come aí, entender quais são as cores e sabores desse sonho que eu tinha na infância. E Melbourne tem um saborzinho especial.

Pode falar sobre o que vai apresentar?
Vou mostrar basicamente o que a gente faz no D.O.M., as receitas do dia-a-dia que compõem os menus-degustação. Mas quero principalmente frisar em Melbourne que o maior elo entre natureza e cultura passa por cima de uma mesa, por dentro de uma cozinha. Que a gastronomia no Brasil vem ganhando uma função a mais que não é só dar prazer, nos entreter, nos divertir ou nos alimentar. É também uma ferramenta da conservação. Ou seja, sustentabilidade e responsabilidade social são quesitos, são novas facetas que uma receita também pode apresentar.

Gosta de vinho austaliano?
Muito! Nós temos uma boa seleção de vinhos australianos. Sou extremamente favorável aos vinhos do novo mundo. Acho que o vinho e a cozinha vêm ganhando o status da música, a pluralidade. Entendo que cartas de vinhos, principalmente no novo mundo, tenham que contemplar os nossos vinhos e os vinhos dos países que compõem esse cinturão.



Qual australiano você indicaria para harmonizar com uma de suas comidas brasileiras?
Eu tenho o Grange, da Penfolds, que é um vinho incrível. As safras mais antigas, em que eles apresentam mais maturidade, podem ser muito convergentes com receitas de carne, com toques amazônicos, em que os aromas são muito pronunciados e muito presentes de acidez. Com boa quantidade de gordura, com muita persistência de sabor, acho que vinhos australianos combinam muito bem com a cozinha que a gente pratica.

A tendência na Austrália é um pouco parecida com a do Brasil: executar ingredientes e pratos locais, com técnicas modernas dentro das bases clássicas. É uma tendência mundial ou apenas dos dois países por serem continentais, terem fauna e flora riquíssimas e estarem localizados distantes do epicentro europeu?
Acho que Austrália e Brasil dividem mais algumas coisas. Climas parecidos, um povo descontraído e aberto à experimentação. Tudo isso compõe um cenário muito favorável a uma cozinha de experimentação. Fato também que outros chefs, por exemplo, os europeus, como o Andoni (Mugaritz-ESP), o Massimo Bottura (Osteria Francescana-ITA) e o Pascal Barbot (L'Astrance-FRA) também têm feito de alguma forma, trabalhando a favor de uma identidade não só de sua cozinha, mas de sua região. Os cardápios acabam refletindo a filosofia do chef, do seu país e do seu entorno.

Em 2006, o Estadão reuniu você, Mara Salles e Edinho Engel para discutirem conceitos e os rumos da gastronomia brasileira. Passados 3 anos do 1º Laboratório Paladar, pergunto: vocês conseguiram dar uma cara à gastronomia brasileira?
Cada vez mais. O Laboratório Paladar passou de uma experimentação de três chefs para um evento composto por uma média de 30 chefs brasileiros, sempre com chefs europeus estrelados do Michelin acompanhando esses passos. Eu acho que para o curto prazo a evolução foi gigantesca, mas ainda temos um grande caminho. A cozinha brasileira reflete essa diversidade do que pode ser a Amazônia e todo o território brasileiro, mas reflete também as nossas influências, os fatores de colonização. O Brasil, apesar de ter como principal colonizador Portugal, recebe grande influência da Itália, da Espanha e São Paulo é a maior colônia japonesa do mundo. Isso indiretamente também nos influencia. Quer dizer, Brasil é um grande mosaico e a gente vem conseguindo plasmar isso, representar na nossa cozinha.

Nos últimos anos, chef no Brasil se tornou muito valorizado, não financeiramente, mas em termos de status. Continua assim?
Há algumas deformações da profissão. Algumas pessoas ainda acham que chefs viraram milionários. Além do glamour, existe uma visão distorcida do que pode ser remuneração de cozinha. E o maior erro que as pessoas ainda cometem: para nós, em português, existe uma palavra que é cozinheiro e outra palavra que é o chef de cozinha. Em inglês, muitas vezes não vemos essa diferença, todo mundo expressa chef, um cozinheiro normal é chamado de chef. No Brasil nós temos uma hierarquia muito clara: o que é um aprendiz de cozinha, o que é um cozinheiro, o que é um chef de partie, o que é um subchef e o que vai ser um chef de cozinha amanhã. Infelizmente todo mundo quer chegar só a ser chef, ou seja, são chefs sem cozinha. Mas há um outro lado dessa moeda que vem sendo bastante positivo: pessoas que realmente se encontraram através da cozinha e vêm ajudando muito o Brasil de um modo geral.

3 comments:

  1. Ficou fantástica essa entrevista, é bacana quando se percebe que a pessoa se deu ao trabalho de pesquisar sobre o entrevistado antes de sair perguntando. Não fica aquele negócio tosco. Parabéns, Pablito, tenho orgulho de você, cara.

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  2. Pablo querido, sabe que sou "devota" de Alex Atala, ler sua entrevista com ele foi délicieux... Parabéns!!! Sucesso hoje e sempre.
    Beijinhos e saudades
    Biba

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  3. Valeu demais, Xixão e Biba!!!
    Brigadão mesmo!!!
    Saudade de todos!!
    Vamo em frente!!!
    Pablo

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